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No Brasil Colônia, quando se falava em interiorização da Capital,
as considerações de segurança sobrepunham-se a todas as demais. Não
era segura uma cidade à beira mar. Salvador fora atacada muitas vezes,
conquistada e saqueada. O Rio pagara também pesado tributo em vidas
e fazendas. Praticamente todas as vilas e cidades litorâneas haviam
sido invadidas e saqueadas: São Vicente, Vitória, Olinda, Recife,
Salvador, Rio de Janeiro. A própria metrópole portuguesa, Lisboa,
curvara-se à ameaça que Haya lhe fizera de enviar uma esquadra a subir
o Tejo e concordara em pagar à Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais,
como indenização pela perda de Pernambuco, seis milhões de cruzados,
além de devolver as peças de artilharia que conquistara e de conceder
favores especiais no comércio de açúcar. Durante o Império, ainda
se argumentava com a necessidade de colocar a sede do governo longe
do alcance dos canhões das grandes potências marítimas; entretanto,
outras razões emergiam com evidência maior, traduzindo anseios de
"progresso" e "civilização".
José Bonifácio destacava que a nova Capital criaria, em curto prazo,
"um giro de comércio interno da maior magnitude" e Varnhagem afirmava
que a Capital no interior "seria mais adequada a civilizar todo o
sertão e a desenvolver suas latentes riquezas, bem como o comércio
das províncias entre si''. Quando, por fim, a nova Capital foi construída
no coração do Brasil e a mudança do governo se fez, o mundo era outro
e o Presidente Kubitschek resumiu assim os objetivos da nacionalidade
com a concretização do seu sonho secular: "Brasília representa a conquista
do que tem sido nosso apenas no mapa. Dos oito milhões e quinhentos
mil quilômetros quadrados do território nacional, permanecem despovoados
nada menos que seis milhões". O mundo atravessara estranho período,
enveredando por desvios que o levariam ao confronto sangrento das
armas na segunda guerra mundial. Na Alemanha surgira a teoria do "espaço
vital", de Karl Haussofer, que buscava legitimar o avanço dos países
superpovoados sobre as áreas sem uso das nações de baixa densidade
demográfica.
Na França Paul Reynaud, que viria a chefiar o governo do país, sugerira
(1935) a criação de um novo Estado, no planalto central brasileiro
(desabitado e entregue à própria sorte), para abrigar os excedentes
populacionais do mundo. Mesmo depois da guerra, em plena Organização
das Nações Unidas, ainda se ouviriam vozes propondo soluções com fundamentos
semelhantes. Fazia-se, assim, urgente, a ocupação dos espaços vazios
do interior brasileiro, se quiséssemos prevenir problemas futuros.
E foi essa a razão fundamental da transferência da sede do Govemo.
É evidente que fatores de ordem geográfica, econômica, política e
social impuseram-se à consideração do Presidente Juscelino quando
se decidiu não esperar mais e levar a Capital brasileira do litoral
para o interior. Geograficamente a localização do Rio de Janeiro apresentava-se
excêntrica e periférica, com todos os inconvenientes dessas circunstâncias.
O Rio revelava-se, por isso, incapaz de transmitir por igual, a todos
os recantos do país, a influência e os benefícios da ação político-administrativa
do governo. Do ponto de vista econômico o Brasil encontrava-se dividido
em duas partes distintas, desproporcionadas, num desequilíbrio que
só tendia a se acentuar: ao lado da mais avançada expansão industrial,
implantada na faixa litorânea do centro-sul, superpovoada, coexistia
o estágio mais rudimentar da exploração agrícola dos sertões, com
sua população desagregada em núcleos esparsos, quase sem meios de
subsistência e sem assistência de qualquer espécie. As implicações
de ordem político-social eram evidentes. A presença do governo federal
no planalto goiano produziria, entre outros efeitos, o de apagar a
linha demarcatória que separava a precária euforia litorânea da miséria
permanente e sem esperanças do interior, distinção que provocava as
mais graves repercussões políticas e sociais e apontava o caminho
certo para o desastre comum.
A mudança da Capital permitiria, por outro lado, aos homens do governo,
a visão do Brasil como um todo e a solução dos problemas nacionais
com independência e serenidade. Em síntese: no período colonial apontavam-se
razões de segurança para justificar a interiorização da Capital; no
Império destacava-se a função civilizadora que teria uma nova Capital
no centro geográfico do país; e nos dias em que a transferência se
fez, justificava-se como medida, já então inadiável, de integração
nacional.
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