Na tarde de quinta-feira (20), em cerimônia carregada de emoção, o Senado devolveu simbolicamente o mandato dos oito senadores cassados pelo regime militar que vigorou no Brasil de 1964 a 1985: Juscelino Kubitschek (JK), Aarão Steinbruch, Arthur Virgílio Filho, João Abraão Sobrinho, Marcelo Nunes de Alencar, Mário de Souza Martins, Pedro Ludovico Teixeira e Wilson de Queiroz Campos. Todos eles foram representados pelas famílias. O único vivo entre os agraciados, Marcelo Alencar, não compareceu.
Ao abrir a sessão, o presidente do Senado, José Sarney, destacou a amizade que mantinha com JK, apesar das divergências políticas que tiveram quando o político mineiro foi presidente da República (Sarney não era da base governista na ocasião). O senador lembrou um jantar oferecido por ele em que JK, depois de cassado, lhe teria agradecido pelo companheirismo.
- Com lágrimas nos olhos ele me disse que eu era o amigo do seu ostracismo – recordou Sarney.
Foi exibido, também, o áudio do último discurso do senador JK, no qual ele se despedia do Senado. Num trecho, ele disse: “o golpe, que na minha pessoa de ex-chefe de Estado querem desfechar, atingirá a vida democrática, a vontade livre do povo. Não me estão ferindo pessoalmente, mas a todos que se julgam no direito de escolher a quem desejam escolher para presidir o seu destino. Esse ato é um ato de usurpação, e não ato de punição”.
Em recado à comunidade internacional, Juscelino pediu em seu discurso que o Brasil não fosse medido por aquele “ato deplorável de fraqueza política de uma parte dos cidadãos armados para a defesa nacional e que se voltam contra os seus homens públicos“.
Maria Estela
A filha de JK discursou em nome dos familiares dos ex-senadores. Emocionada, Maria Estela Kubitschek disse que a devolução dos mandatos não é um ato “simbólico”, mas “histórico”.
- Esta é uma entrega histórica, merecida e esperada por todos eles, que infelizmente não puderam estar aqui. Mas meu pai eu sei que está aqui conosco. As palavras que eu gostaria de dizer, ele mesmo já disse, foi um homem nascido para construir e não para destruir – afirmou, lembrando que, mesmo exilado do país, JK nunca deixou de ter orgulho de ser brasileiro.
Maria Estela contou que seu pai acreditou por muito tempo que conseguiria ver restaurada a democracia no país e, pouco antes de morrer, reconheceu que não estaria vivo para ver esse momento.
- Hoje, mais de 40 anos passados do dia de sua cassação, ele está aqui de volta conosco – disse.
A filha de Juscelino aproveitou a oportunidade ainda para agradecer aos amigos mais próximos do pai, presentes na solenidade, como o coronel Affonso Heliodoro, o ex-deputado Carlos Murilo Felício dos Santos e o embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima.
AI-5
O Ato Institucional nº 5, editado em 13 de dezembro de 1968, tirou importantes direitos do cidadão brasileiro e teve reflexos diretos tanto no Legislativo quanto no Judiciário. Ao todo, 181 parlamentares foram cassados – 173 deputados federais e oito senadores –, além de três ministros do Supremo Tribunal Federal. No dia 6, a Câmara dos Deputados também devolveu os mandatos, simbolicamente, aos parlamentares cassados. Lá estiveram 25 dos 28 deputados ainda vivos.
Por causa do AI-5, o Congresso Nacional foi fechado por prazo indeterminado e os parlamentares foram forçados ao “recesso”. Sem o Legislativo, foi mais fácil governar por meio da edição de decretos-lei. Os militares ocupantes do Palácio do Planalto podiam, por exemplo, intervir nos estados e municípios e decretar Estado de Sítio sem autorização prévia do Legislativo. Entraram para a ilegalidade todas as reuniões de cunho político e foi suspenso o habeas corpus para acusados de crimes políticos.